KATIA
ABREU, UMA “ ANTROPÓLOGA” ÀS AVESSA NO CERRADO BRASILEIRO: UM
POPULISMO SEM LÓGICA E SEM RAZÃO DIANTE DE ARGUMENTOS CIENTÍFICOS SOBRE OS ÍNDIOS BRASILEIROS.
“KÁTIA,
A ANTROPÓLOGA, CRIADORA DA ABREUGRAFIA”
Texto do Professor da UERJ José Ribamar
Bessa Freire (25/11/2012 - Diário do
Amazonas)
Nelson Rodrigues só
se deslumbrou com "a psicóloga da PUC" porque não
conheceu "a antropóloga da Folha". Mas ela
existe. É a Kátia Abreu. É ela quem diz aos leitores da Folha
de São Paulo, com muita autoridade, quem é índio no Brasil. É
ela quem religiosamente, todos os sábados, em sua coluna, nos
explica como vivem os "nossos aborígenes". É ela
quem nos ensina sobre a organização social, a distribuição
espacial e o modo de viver deles. Podeis obtemperar que o caderno
Mercado, onde a coluna é publicada, não é lugar adequado
para esse tipo de reflexão e eu vos respondo que não é pecado se
aproveitar das brechas da mídia. Mesmo dentro do mercado, a autora
conseguiu discorrer sobre a temática indígena, não se intimidou
nem sequer diante de algo tão complexo como a estrutura de
parentesco e teorizou sobre "aborigenidade", ou seja, a
identidade dos "silvícolas" que constitui o foco central
de sua - digamos assim - linha de pesquisa. A maior
contribuição da antropóloga da Folha talvez tenha sido justamente
a recuperação que fez de categorias como "sílvicola"
e "aborígene", muito usadas no período colonial,
mas lamentavelmente já esquecidas por seus colegas de ofício.
Desencavá-las foi um trabalho de arqueologia num sambaqui
conceitual, que demonstrou, afinal, que um conceito nunca morre,
permanece como a bela adormecida à espera de alguém que o desperte
com um beijo. Não precisa nem reciclá-lo. Foi o que Kátia Abreu
fez.Com tal ferramenta inovadora, ela estabeleceu as linhas de uma
nova política indigenista, depois de fulminar e demolir aquilo que
chama de "antropologia imóvel" que seria praticada pela
Funai. Sua abordagem vai além do estudo sobre a relação
observador-observado na pesquisa antropológica, não se limitando a
ver como índios observam antropólogos, mas como quem está de fora
observa os antropólogos sendo observados pelos índios. Não sei se
me faço entender. Mas em inglês seria algo assim como Observing
Observers Observed.
Os
argonautas do Gurupi
Todo esse esforço
de abstração desaguou na criação de um modelo teórico, a partir
do qual Kátia Abreu sistematizou um ousado método etnográfico
conhecido como abreugrafia que, nos anos 1940, não passava de um
prosaico exame de raios X do tórax, uma técnica de tirar chapa
radiográfica do pulmão para diagnosticar a tuberculose, mas que foi
ressignificado. Hoje, abreugrafia é a descrição etnográfica feita
com o método inventado por Kátia Abreu, no caso uma espécie de
raio X das sociedades indígenas. Esse método de coleta e registro
de dados foi empregado na elaboração dos três últimos artigos
assinados pela antropóloga da Folha: Uma antropologia imóvel
(17/11), A Tragédia da Funai (03/11/) e Até abuso tem
limite (27/10) que bem mereciam ser editados, com outros, num
livro intitulado "Os argonautas do Gurupi". São textos
imperdíveis, que deviam ser leitura obrigatória de todo estudante
que se inicia nos mistérios da antropologia. A etnografia refinada e
apurada que daí resulta quebrou paradigmas e provocou uma ruptura
epistemológica ao ponto de não-retorno. A antropóloga da Folha
aplicou aqui seu método revolucionário - a abreugrafia - que
substituiu o tradicional trabalho de campo, tornando caducas as
contribuições de Boas e Malinowski. Até então, para estudar as
microssociedades não ocidentais, o antropólogo ia conviver lá, com
os nativos, tinha de "viver na lama também, comendo a mesma
comida, bebendo a mesma bebida, respirando o mesmo ar" da
sociedade estudada, numa convivência prolongada e profunda com ela,
como em 'Lama', interpretada por Núbia Lafayette ou Maria
Bethania.A abreugrafia acabou com essas presepadas. Nada de cantoria.
Nada de anthropological blues. Agora, o antropólogo já não
precisa se deslocar para sítios longínquos, nem viver um ano a
quatro mil metros de altura, numa pequena comunidade nos Andes,
comendo carne de lhama, ou se internar nas selvas amazônicas entre
os huitoto, como fez um casal de amigos meus. E tem ainda uma
vantagem adicional: com a abreugrafia, os antropólogos nunca mais
serão observados pelos índios.Em que consiste, afinal, esse método
que dispensa o trabalho de campo? É simples. Para conhecer os
índios, basta tão somente pagar entrevistadores terceirizados. Foi
o que fez a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
(CNA) que, por acaso, é presidida por Kátia Abreu. A CNA encomendou
pesquisa ao Datafolha que, por acaso, pertence à empresa dona do
jornal onde, por acaso, escreve Kátia. Está tudo em casa. Por
acaso.
Terra
à vista
Os pesquisadores
contratados, sempre viajando em duplas - um homem e uma mulher -
realizaram 1.222 entrevistas em 32 aldeias com cem habitantes ou
mais, em todas as regiões do país. Os resultados mostram que 63%
dos índios têm televisão, 37% tem aparelho de DVD, 51% geladeira,
66% fogão a gás e 36% telefone celular. "A margem de erro"
- rejubila-se o Datafolha - "é de três pontos percentuais para
mais ou para menos". "Eu não disse! Bem que eu dizia"
- repetiu Kátia Abreu no seu último artigo, no qual gritou "terra
à vista", com o tom de quem acaba de descobrir o Brasil. O
acesso dos índios aos eletrodomésticos foi exibido por ela como a
prova de que os "silvícolas" já estão integrados ao modo
de vida urbano, ao contrário do que pretende a Funai, com sua
"antropologia imóvel" que "busca eternizar os povos
indígenas como primitivos e personagens simbólicos da vida
simples". A antropóloga da Folha, filiada à corrente da
"antropologia móvel", seja lá o que isso signifique,
concluiu:
- "Nossos
tupis-guaranis, por exemplo, são estudados há tanto tempo quanto os
astecas e os incas, mas a ilusão de que eles, em seus sonhos e seus
desejos, estão parados, não resiste a meia hora de conversa com
qualquer um dos seus descendentes atuais". Antropólogos da
velha guarda que persistem em fazer trabalho de campo alegam que
Kátia Abreu, além de nunca ter conversado sequer um minuto com um
índio, arrombou portas que já estavam abertas. Qualquer aluno de
antropologia sabe que as culturas indígenas não estão congeladas,
pois vivem em diálogo com as culturas do entorno. Para a velha
guarda, Kátia Abreu cometeu o erro dos geocêntricos, pensando que
os outros estão imóveis e ela em movimento, quando quem está
parada no tempo é ela, incapaz de perceber que não é o sol que dá
voltas diárias em torno da terra.
No seu artigo, a
antropóloga da Folha lamenta que os índios "continuem morrendo
de diarreia". Segundo ela, isso acontece, não porque os rios
estejam poluídos pelo agronegócio, mas "porque seus tutores
não lhes ensinaram que a água de beber deve ser fervida".
Esses tutores representados pela FUNAI - escreve ela - são
responsáveis por manter os índios "numa situação de extrema
pobreza, como brasileiros pobres". Numa afirmação cuja margem
de erro é de 3% para mais ou para menos, ela conclui que os índios
não precisam de tutela. Quem precisa de tutela intelectual é Kátia
Abreu - retrucam os antropólogos invejosos da velha guarda, que
desconhecem a abreugrafia. Eles contestam a pobreza dos índios,
citando Marshall Sahlins através de postagem feita no facebook por
Eduardo Viveiros de Castro:"Os povos mais 'primitivos' do
mundo tem poucas posses, mas eles não são pobres. Pobreza não é
uma questão de se ter uma pequena quantidade de bens, nem é
simplesmente uma relação entre meios e fins. A pobreza é, acima de
tudo, uma relação entre pessoas. Ela é um estatuto social.
Enquanto tal, a pobreza é uma invenção da civilização. Ela
emergiu com a civilização..."
Miss
Desmatamento
A conclusão mais
importante que a antropóloga da Folha retira das pesquisas
realizadas com a abreugrafia é de que os "aborígenes", já
modernizados, não precisam de terras que, aliás, segundo a
pesquisa, é uma preocupação secundária dos índios, evidentemente
com uma margem de erro de três pontos para mais ou para menos.
"Reduzir o índio à terra é o mesmo que continuar a querer
e imaginá-lo nu" - escreve a antropóloga da Folha, que não
quer ver o índio nu em seu território. Nem nu, nem vestido, porque
quando veste roupa, para ela, deixa de ser índio, liberando assim a
terra indígena para o agronegócio. - "Falar em terra é
tirar o foco da realidade e justificar a inoperância do poder
público. O índio hoje reclama da falta de assistência médica, de
remédio, de escola, de meios e instrumentos para tirar o sustento de
suas terras. Mais chão não dá a ele a dignidade que lhe é
subtraída pela falta de estrutura sanitária, de capacitação
técnica e até mesmo de investimentos para o cultivo". A
autora sustenta que não é de terra, mas de fossas sépticas e de
privadas que o índio precisa. Demarcar terras indígenas, para ela,
significa aumentar os conflitos na área, porque "ocorre aí
uma expropriação criminosa de terras produtivas, e o fazendeiro,
desesperado, tem que abandonar a propriedade com uma mão na frente e
outra atrás". Com uma margem de erro de dois dedos para
cima ou de dois dedos para baixo - acrescentou o Zé Cyrino.Ficamos,
então, assim combinados: os índios não precisam de terra, quem
precisa são os fazendeiros, os pecuaristas e o agronegócio. Dados
apresentados pela jornalista Verenilde Pereira mostram que na área
Guarani Kaiowá existem 20 milhões de cabeças de gado que dispõem
de 3 a 5 hectares por cabeça, enquanto cada índio não chega a
ocupar um hectare. Um discípulo menor de Kátia Abreu, Luiz Felipe
Pondé, também articulista da Folha, tem feito enorme esforço
para acompanhar a produção intelectual de sua mestra, usando as
técnicas da abreugrafia, sem sucesso, como mostra artigo por ele
publicado com o título Guarani Kaiowá de boutique (9/11),
onde tenta debochar da solidariedade recente aos Kaiowá que explodiu
nas redes sociais. Kátia Regina de Abreu, 50 anos, empresária,
pecuarista e senadora pelo Tocantins (ex-DEM,atual PSD), não é
apenas antropóloga da Folha. É também psicóloga formada pela PUC
de Goiás, reunindo dois perfis que deslumbrariam Nelson Rodrigues.
Bartolomé De las Casas, reconhecido defensor dos índios no século
XVI, contesta o discurso do cronista do rei, Gonzalo Fernandez de
Oviedo, questionando sua objetividade pelo lugar que ele ocupa no
sistema econômico colonial: - “Se na capa do livro de Oviedo
estivesse escrito que seu autor era conquistador, explorador e
matador de índios e ainda inimigo cruel deles, pouco crédito e
autoridade sua história teria entre os cristãos inteligentes e
sensíveis”.O que é que nós podemos escrever na capa do livro
"Os Argonautas do Gurupi" de Kátia Abreu, eleita pelo
movimento ambientalista como Miss Desmatamento? Que crédito e
autoridade tem ela para emitir juízos sobre os índios? O que diriam
os cristão inteligentes e sensíveis contemporâneos? Respostas em
cartas à redação, com a margem de erro de 3% para mais ou para
menos.
Katia Abreu escreve
no jornal a folha de são paulo em uma coluna denominada mercado, ai
etá a chave da questão, talvez ela queira tratar os indigena
brasileiros como mercadoria, assim como ela (des)entende que é a
terra.
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