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10 setembro, 2008

Políticas no Estado ainda estão por ser construída, mas não é por falta de cobrança ou de promessas, avalia Plassat


O coordenador da Campanha Nacional contra o Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), frei Xavier Plassat, avaliou o desenvolvimento do Tocantins nos 19 anos e considerou que existe muita “balela” no uso do termo ‘Estado novo’. “À diferença de uma criança, um ente político não nasce coberto pela inocência que cerca o surgimento de uma nova pessoa”, disse. Para o religioso no caso do Tocantins, os interesses dos pais da criança naquela concepção não são muito difíceis de identificar.

“Para as oligarquias que pelo norte de Goiás haviam extendido seu domínio, em parte por meio da grilagem de terras, havia necessidade de se livrar das limitações impostas à sua consolidação por aquele Estado”, informou Plassat. Ele explica que essas oligarquias desejavam implantar seu próprio projeto de Estado, contando ainda com a benesse de mamar por algum tempo no seio Federal. “Este novo já nasceu com traços de velho: um enorme latifúndio onde os principais instrumentos do Estado e da Justiça já tinham se posto a serviço dos donos do pedaço”, falou Xavier.

Para Plassat um lema para resumir a criação do Estado da forma mais “cínica” é ‘o Estado da livre iniciativa’. Corrigido após alguns anos pelo acréscimo, como que por “antinomia”, do também “cínico” ‘e da justiça social’. “Tanto o sujeito social e político que se apoderou do Estado novo, com suas características de autoritarismo e apadrinhamento, quanto o conteúdo das políticas implementadas, com a decretação unilateral da ‘vocação’ agropecuária desta imensa fazenda, desenharam a matriz do desenvolvimento do ‘novo’ Tocantins”, argumentou.

Desenvolvimento do Estado
O frei explica que o desenvolvimento do Tocantins foi baseado no estilo clássico da tradicional colônia voltada para o mercado externo e fornecendo-lhe carne, grão, energia e mão-de-obra barata. Um Estado dominantemente empenhado em prover as infra-estruturas destinadas a baratear o custo deste ‘desenvolvimento’ para seus destinatários, lá fora. “O asfaltamento das primeiras estradas seguiu fielmente os corredores do negócio e os rios foram anexados para prover frete e energia”, disse Plassat.

Essa lógica de desenvolvimento, segundo Plassat, tornou as terras dos posseiros reserva de “terra pilhavel” a contento, de acordo com as novas necessidades empresariais. “Veja a eloqüente história de Campos-Lindos: Campos de Siqueira, e Lindos do sonho que não se realizou. Centenas de famílias expulsas de suas terras para dar vazão aos apadrinhados da soja, ‘vocacionados da agricultura’ e outros crónicos caloteiros”, sentenciou. Para Xavier coube às lutas populares e às contradições surgidas nas novas camadas dirigentes, que foram se consolidando à sombra das antigas e às vezes contra elas, alterar essa ‘agenda’, provocando umas poucas rupturas e conseguindo uns tantos resultados, porém mitigados.

“Não foi exatamente por planejamento estratégico, mas sim por ampla luta social, que foram se criando mais de 300 assentamentos da reforma agrária com mais de 20 mil famílias”, avaliou Xavier Plassat. Ele analisou que muitas vezes essas famílias são abandonadas à sorte por um Estado que nunca considerou a agricultura familiar e camponesa como uma possível vocação tocantinense. “Por que será?”, questionou. Segundo Plassat neste contexto não é nenhuma estranheza reencontrar o Tocantins no ranking das piores mazelas do País, anos depois do seu nascimento.

O agente da CPT explicou que nunca foi objeto de política afirmativa a promoção da inclusão social com dignidade do povo que aqui está ou por aqui foi atraído. O povo ficou à deriva dos interesses maiores da política que por aí imperou a promoção do grão e do gado, do kilowatt e, em breve, do etanol. Segundo Plassat o resultado: alertado desde 1997 com a realização do 1° Seminário Estadual da Campanha contra o Trabalho Escravo, promovida pela CPT, o Estado do Tocantins esperou até 2006, com o 2° Seminário Estadual da mesma Campanha, quando já havia alcançado o pelotão de cima no ranking nacional da escravidão moderna, para começar a manifestar alguma preocupação com o problema.

Porém, Plassat alertou que a manifestação ainda é bem limitada, o plano de Erradicação anunciado há um ano ainda não saiu das gavetas do governo. O frei informou que em tempos de globalização, o estigma do trabalho escravo poderia se tornar, fora do Brasil, tão prejudicial quanto a “pecha” da febre aftosa para os interesses do agronegócio. “Imaginem! Quase 2 mil escravos libertos no Tocantins nos últimos 5 anos e milhares de tocantinenses aliciados a cada ano para o vizinho Pará, por falta de opção aqui na ‘sua’ terra”, disse. Plassat considera que o governo fica muito mal na fotografia, com este e outros indícios da persistente exclusão social no acesso às várias formas da cidadania: emprego, terra, educação, moradia, segurança alimentar, saúde, higiene, sexo responsável.

Políticas Públicas
Na avaliação de Xavier Plassat as políticas públicas do Estado ainda estão por ser construídas, e não é por falta de cobrança ou de promessas. Segundo ele são vários canteiros de obra deixados ainda sem rumo definido: moradia, educação do campo, segurança na terra, inclusão da juventude, enfrentamento à violência, combate ao trabalho escravo. “A tendência é mais de pegar carona em programas federais do que construir projetos de política do Estado”, opinou.

Plassat exemplifica que no caso do enfrentamento ao trabalho escravo, o governador Marcelo Miranda (PMDB) assumiu em 11 de setembro de 2006, perante o governo Federal a responsabilidade de lançar um Plano Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo. “O Plano é virtualmente pronto há 3 meses”. Segundo o agente da CPT, foi aprovado por unanimidade, em 19 de junho de 2007, pela Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae-TO), oficialmente constituída no final de 2006. “Nossos vizinhos do Piauí, Maranhão e, em breve, Pará não demoraram tanto para acordar à dura realidade: já estão com política estadual definida”, afirmou.

Resistência
O frei Xavier considera que a sociedade civil tocantinense tem história curta ainda neste chão. “No início quando o ‘Estado novo’ foi oficializado, as lutas sociais do norte de Goiás resumiam-se à ferrenha resistência dos posseiros à expulsão de suas terras pelos grileiros, à resistência dos povos indígenas, e às tentativas de algumas categorias com organização ainda incipiente para conter os abusos diariamente impostos pelo autoritarismo do poder do Estado”, detalhou.

No movimento sindical, segundo Plassat, predominava a figura do movimento Sindical dos trabalhadores rurais, responsável desde o princípio dos anos 90 pela realização da periódica Marcha do Campo em defesa da vida. Assim como a articulação dos demais movimentos em torno do Fórum Estadual de Reforma Agrária e Combate à Violência. “Deste período inicial cultivamos até hoje a destemida semente lançada no chão tocantinense pelo Padre Josimo, nosso santo ‘arauto’ do Evangelho”, disse.

Plassat explicou que na sequência, o movimento social foi se diversificando, incorporando desde os sem-terra até os sem-teto, os setores associativos do campo e da cidade, as várias categorias do funcionalismo público bem como os grupos de identidade cultural, etnica, sexual e outros. “Dentre eles, vários têm sido alvo de cooptação pelo poder público: falsas ONGs ambientalistas, as chamadas OMGs: Organizações Muito Governamentais, associações de fachada de moradores ou de agricultores somente constituídas em torno do acesso às mamatas governamentais”, informou.

“Ano sim ano não, têm acontecido mobilizações e ações de envergadura, obrigando o poder público a contemplar as demandas sociais”, disse Plassat. De acordo com ele ainda estão presentes na memória coletiva as edições da Marcha do Campo; as mobilizações contra as barragens, especialmente a última realizada em Estreito neste ano; as diversas ações dos povos indígenas, especialmente na Ilha do Bananal; as greves de professores e universitários que resultou na criação da UFT. Xavier também acrescentou as ocupações e acampamentos de sem-terra visíveis em todos os eixos rodoviários do Estado, as Romarias da Terra ‘Padre Josimo’ promovida pelas comunidades do Bico do Papagaio e a CPT, e até a dramática greve dos policiais militares entrincheirados por semanas a fio no seu quartel de Palmas.

“Carecemos profundamente de capacidade e atenção para melhor articulação na condução de nossas lutas, no respeito às legítimas diversidades que as mesmas expressam”, considerou. Plassat como membro de uma Pastoral Social, ligada à Igreja Católica e com uma proposta ecumênica, falou que deve lamentar, nesses anos todos, a sensível retração das igrejas. Ele criticou que as igrejas voltaram-se para o campo da pura espiritualidade, do rito ou da vida institucional, em prejuizo do compromisso vivido com as causas fundantes da justiça e da dignidade da pessoa. “Aquelas nas quais o Evangelho – a boa notícia! – certo dia se encarnou e se fez rosto humano de Deus. Este é por sinal um dos fortes recados formulados em sua Carta Final, pelos bispos latino-americanos reunidos para a Conferência de Aparecida: Esta é a tarefa essencial da evangelização, que inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção humana integral e a autêntica libertação cristã”, disse.

Alternativas
“O Tocantins vive ao diapasão do Brasil. Suas mazelas e suas esperanças são também as do Brasil como todo”, avaliou o agente da CPT. Segundo Plassat precisa-se de um país que procura inventar um projeto de nação que fuja da dependência servil a modelos desenhados para servir outros interesses que não os do seu povo. “Um projeto nacional de Brasil. Um projeto popular de Tocantins.” Ele explicou que deve ser feito um desenho do desenvolvimento possível que não se restrinja ao crescimento das toneladas de grão ou das arrobas de gado que essa terra e seus trabalhadores têm potencial de gerar.

Plassat exemplifica que o desenvolvimento, como lembrou o papa Paulo VI na sua famosa carta encíclica que hoje já completa 40 anos, o desenvolvimento dos povos não se reduz ao crescimento quantitativo, não se esgota no economicismo e nos valores agregados nos PIBs da vida. O desenvolvimento, de acordo com Xavier, só pode resultar de um esforço consciente, participado e solidário em busca de valores que congregam a sociedade na justiça, na paz, na dignidade. “Isso não tem preço que se compare com o litro de etanol ou a tonelada de soja”, sentenciou.

“Um movimento social forte e diversificado, mas decididamente articulado, é indispensável para avançar, e na sua falta, políticos sem legitimidade continuarão apresentando seus mesquinhos interesses como sendo os de toda a sociedade”, analisou. E neste sentido, Plassat vê como tarefa fundamental desta geração de ‘novos tocantinenses’ organizar-se melhor para articular e conduzir um processo realmente democrático, respeituoso das identidades e das diferenças, centrado nos verdadeiros fundamentos de uma vida social feliz: todos os direitos para todos, justiça, respeito às pessoas e à natureza, às de hoje como às de amanhã.

Xavier Plassat
Membro da Coordenação da Campanha Nacional contra o Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Frei Jean Marie Xavier Plassat é um dos maiores especialistas no assunto do Brasil. Já viajou por diversas partes do país e do mundo acompanhando ações contra o trabalho escravo. Francês, 56 anos, graduado em economia e administração pela Universidade de Paris e com formação também em teologia e filosofia, Frei Xavier, deixou Paris há 19 anos e veio para uma das regiões mais pobres do mundo, a Amazônia Oriental. Onde trabalha em conjunto com os movimentos populares. (Por Aline Sêne)

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