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08 agosto, 2012

"A humanidade se dilui no shopping"

Por Virgínia Fontes*

Há duas vertentes críticas para pensar as transformações culturais e os valores imperantes nas últimas décadas, e elas são complementares. A primeira vertente aborda o aspecto profundo – e, portanto, mais imediatamente incômodo e gritante – que foi a imposição de extensos processos de expropriação (terra, direitos sociais, direitos trabalhistas, sementes, etc.), acoplada a uma gigantesca concentração de riqueza em todo o mundo (e o Brasil não foi exceção, com seus muitos milionários).

As privatizações dos serviços públicos foram acompanhadas pela expansão de empresas privadas de saúde, de educação, previdência e outras, além da generalização de formas de contratação de trabalhadores com escasso futuro. As enormes demissões dos anos 90 intimidaram os que mantêm seus empregos. Assim como os demais trabalhadores, os temporários, bolsistas, precarizados de múltiplas formas, terceirizados (que sabem que seus contratos assinados em carteira não embutem carreiras), PJs, etc., contam com escassa segurança para o futuro.

Para o grande capital, em ritmo alucinado, trata-se de capturar o mais rápido possível as exacerbadas (e longamente contidas) necessidades de extensas parcelas da população, e a massiva propaganda midiática é sua arma ideológica.

Os vínculos mais ou menos precários de trabalho e vida não impedem o acesso a crediários e empréstimos a cada dia mais imediatos e fáceis. Precisamos comprar o máximo o mais rápido possível, antes que ocorra a próxima reviravolta ou a demissão. Juntam-se duas pontas do drama: os que precisam de muitas coisas mas sabem de suas limitações encontram os que precisam vender muito, em escala crescente, e de qualquer forma. Instala-se uma espiral na qual os valores humanos esfumam-se nos preços, nas reluzentes prateleiras, nos aparelhos tornados infernalmente necessários mas descartáveis. Comprar se torna urgente, angustiante, fictício, estimulante e anestésico. Urgente, pois precisamos suprir necessidades reais, em geral fora de alcance do bolso.

Angustiante, uma vez que a exacerbação da oferta e das propagandas (atingindo principalmente as crianças) é impossível de ser saciada. Comprar se torna solução fictícia porém estimulante: a impotência frente aos problemas efetivos parece diluir-se na compra de substitutivos (em lugar da saúde, o tranquilizante; em lugar do alimento, a comida envenenada; no lugar do encontro entre pessoas, as vitrines; no lugar da beleza, a contrafação química ou cirúrgica). Converte-se no pior anestésico, pois a compra inútil aplaca a tensão mas repõe e aprofunda a espiral.

Se esfumaça também a democracia, realizando as piores e mais cínicas antecipações dos liberais, para os quais ela se reduz a um mercado eleitoral, onde se vendem produtos votáveis. Entre uma e outra eleição, segue a gestão dos grandes interesses monopolizadores. As aspirações de transformação social parecem ajustar-se ao cenário conformista, atuando nas brechas de pequenos possíveis.

Consumismo, individualismo, imediatismo, exibicionismo parecem ser as molas mestras de um enorme apassivamento social, banhado em satisfação compradora. A humanidade se dilui no shopping. A dominação parece perfeita. O capital parece ter obturado os poros da história, vedando-a para outros futuros. Os mais altos valores, se não estão à venda, ficaram fora de moda.
 Dessa desolação se descortina a segunda vertente, a que procura pescar dos elementos objetivos e subjetivos apresentados acima o que é contradição, movimento, processo e, portanto, possibilidade. O rebaixamento das expectativas sociais ocorreu no compasso da mais impactante socialização do processo produtivo já ocorrida na história, onde o menor objeto disposto na prateleira do shopping solicitou trabalho de milhares de seres sociais, dispersos no planeta mas integrados sob a coordenação milimétrica, difusa porém tirânica, de proprietários de enormes capitais, que em proporção gigantesca precisam valorizá-lo.

Valores solidários e reivindicações igualitárias e não desapareceram, ao contrário: estão contidos por massas crescentes de valor precisando valorizar-se. As aspirações emancipatórias perduram. Para que continue agindo a contenção anestésica e aparente do consumismo, submerso até o pescoço em sofrimento e dívidas, tal como um dique prestes a ruir, é preciso abrir vias de escape. Responsabilidades sociais empresariais, empreendedorismos, terceiras vias, capitalismo verde, rehumanizações impossíveis do capitalismo são requentadas às pressas, de maneira a tentar converter a energia transbordante de humanidade que quer mais e além do shopping, mais e além do planeta devastado e da vida sem sentido. Constituem-se novas modalidades de empurrar para a frente a valorização, aprofundando as dívidas, procurando converter inquietações em adequação passiva. O termo conversão é importante: é porque existem lutas a irromper com teores para além do capital, que as diferentes burguesias precisam convertê-las em filetes contidos, redirecionados para encher ainda mais a escandalosa represa do capital a valorizar-se.

Por essa mesma razão, não hesitam sequer a utilizar as expressões das lutas populares (a solidariedade, a participação, a igualdade), cuidadosamente esvaziadas do conteúdo original, a substituir por mercantil-filantropia e por pobretologias que ocultam cuidadosamente as formas de produção da pobreza e da desigualdade. Para essa operação, contaram com uma esquerda que, formada na luta de classes e ágil na retórica, abandonou seu campo original e se oferece como a melhor qualificada para essa conversão.

Os valores não desapareceram sob os grotões ou nas grandes cidades. É por existirem que a conversão é necessária. No entanto, esse é um jogo perigoso. O reservatório transbordante de capitais e de energias reconvertidas não pode assegurar essa forma de política hoje hegemônica. A crise ronda. Pode retomar formas truculentas, como a ascensão de uma velha direita na Europa; pode se defrontar com o recrudescimento das verdadeiras lutas de classes, agora dispostas a destruir esse dique.

*é historiadora e professora da pós-graduação de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio-Fiocruz

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