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31 julho, 2011

Los ultimos zapatistas - héroes olvidados

"As garras das transnacionais sobre o sistema alimentar são a causa profunda da crise"

Por Sílvia Alvarez da Cidade do México (México), Jornal Brasil de Fato

No início deste mês a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) divulgou relatório que aponta a permanência da alta dos preços dos alimentos no mundo até 2012.

O documento citou o aumento da demanda da carne e fatores climáticos como algumas das causas dessa instabilidade dos preços. A pesquisadora Silvia Ribeiro, do grupo ETC, considera que esses elementos interferem sim na crise alimentar, mas que há um modelo de concentração corporativa no setor alimentício que é a raiz do problema.

Ainda de acordo com a FAO, os preços internacionais dos alimentos subiram no início do ano até alcançarem os índices da última crise, em 2007-2008. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Silvia Ribeiro nos ajuda a entender os elementos estruturais que perpassam as duas crises.

Brasil de Fato - Qual a relação entra a crise alimentar de agora e a de 2007-2008?
Silvia Ribeiro - O que culminou na crise de 2007 foram fatores como a crise do petróleo, os fundos de especulação, os fatores climáticos e os agrocombustíveis - juntos a um modelo estrutural contra a soberania alimentar, onde os mais afetados são os países mais pobres. Agora te explico essa relação. A maior diferença da crise de 2007-2008 com agora é que naquele momento coincidiu com os altíssimos preços do petróleo. O petróleo estava muito mais alto que agora, por todas as crises que se estavam vivendo ao redor dele. E o que acontece é que estamos falando de uma agricultura que está totalmente petrolizada. A agricultura industrial é uma máquina de petróleo. Todos os insumos que se usam têm petróleo, por exemplo, os agrotóxicos são derivados de petróleo, todos os transportes que utilizam a agricultura. Então, claro, imediatamente isso também aumentou de preço.

Brasil de Fato - Neste contexto, como ficam os agrocombustíveis?
Silvia Ribeiro - A crise de 2007 nasce de uma conjunção de elementos que também eram parte da destinação dos grãos para a produção de agrocombustíveis. Segundo o Banco Mundial, num informe que foi ocultado e depois veio a público em 2008, 75% do aumento do preço dos alimentos estava relacionado com o desvio de grãos para agrocombustível. Isso segue sendo assim. O tema dos agrocombustíveis é muito simples. Começam a subsidiar de maneira enorme, sobretudo nos EUA que tem subsídios milionários, a produção de agrocombustíveis. Então, o que acontece? Atualmente, os EUA, que são o maior produtor de milho no mundo, destinam 40% de sua produção para o etanol. O mesmo está passando com outros alimentos, já que os agrocombustíveis também se originam da soja, da cana-de-açúcar, do pinhão, da mamona. Aí existem dois fenômenos: as pessoas deixam de plantar o que plantavam para plantar para agrocombustíveis; e, além disso, ocupam terra, água, nutrientes, e fertilizantes - que não são um detalhe menor. Por exemplo, o preço dos fertilizantes que não são derivados do petróleo, são de extração mineira, subiu muitíssimo, porque se supõe que tem muito pouco potássio, fósforo e sódio. Isso também aumenta o preço dos alimentos.

Brasil de Fato - Os fundos especulativos têm relação com essa questão dos alimentos?
Silvia Ribeiro - É outro fator que começou em 2007, que disparou e foi terrível, foram os fundos de investimento, que são especulativos por natureza, porque estão em busca de dinheiro. Todos os fundos que estavam na indústria imobiliária dos EUA, entram em crise e geram crise financeira. Então, todos esses fundos que estavam aí buscam outros lugares e encontram a comida. Comida nunca tinha sido um fundo especulativo. E como a comida é um fundo especulativo? Porque se compra a futuro. Então claro que sobe o preço! E como sobe o preço tem outros que também querem comprar. É como um jogo de futuros. Isso é terrível. Isso acontece com o trigo, com a soja, com o milho - que tem uma entrada enorme em fundos especulativos. Também acontece com outros, mas esses são os mais afetados. Em 2007, esses fundos de risco se lançam a comprar e mudam os preços artificialmente, mas logo voltam a vendê-los e agora, de novo, há novos investimentos. É como uma recuperação.

Brasil de Fato - Há um aumento da demanda de carne, principalmente pela China?
Silvia Ribeiro - Sim, é verdade que há maior demanda de carne no mundo, é parte da crise alimentar. Porque nesse momento, a cifra mais conservadora diz que 40% de todos os cereais, de qualquer tipo que se produz no mundo, é destinado para a alimentação do gado. Isso é terrível porque, com o que se alimenta o gado, se alimenta muito mais gente e se come cereal diretamente, não passando pela carne. Porque a carne, definitivamente, é um processo que ecologicamente, digamos assim, não é eficiente. Além disso, tira território. Ou seja, aumenta o território que se usa para coisas que não são alimentos e aumenta a demanda de agrotóxicos, fertilizantes, e, de novo, sobem os preços. O que não é verdade é que dizem que a maior demanda é da China, isso é um mito que se lançou. No México tem um investigador, que se chama Alejandro Nadal, que mostrou que a China ainda está em uma transição e tem uma economia de grandes reservas internas. China, por exemplo, salvo a soja – que afeta muito o Brasil – em todos os outros grãos não é um grande importador. Tem sua própria produção.

Brasil de Fato - E como se organiza esse modelo estrutural que atua contra a soberania alimentar?
Silvia Ribeiro - O que sim está por trás de tudo isso é a concentração corporativa. Quais são as grandes corporações que dominam desde a semente até o supermercado? É muito curioso que em todas as etapas da crise alimentar, todos os agronegócios – sobretudo das sementes, dos distribuidores, processadores – não perderam, senão que ganharam muito. Os que menos ganharam, ganharam 20% mais que nos anos anteriores, alguns ganharam mais que 100% e uma empresa de fertilizantes, a Mosaic, a 2ª maior do mundo, fez mil por cento mais de lucro. Nos anos de 1960, a FAO mostra que, no total, todos os países do sul tinham um superávit de mais de 7 bilhões de dólares em produção interna de alimentos, doméstica. É interessante ver dessa perspectiva: há 50, 40 anos não havia nenhuma empresa que tivesse nem 1% do mercado, nem de semente, nem de distribuição, nem nada. Hoje, temos 4 distribuidoras de cereais que tem mais de 80% do mercado mundial: Cargill, ADM, Bunge e Louis Dreyfus. Além disso, ADM, por exemplo, tem 30% do mercado de etanol, nos EUA. Cargill também tem enormes investimentos em etanol. Essas empresas, quando está crescendo o milho, não sabem para quem vão vender. Venderão a quem pague mais no momento que se venda. Então, isso faz com que seja imprevisível e aumenta a instabilidade dos preços. As garras das transnacionais sobre o sistema alimentar são a causa profunda da crise. Porque não há nenhuma política pública que possa controlar o preço dos alimentos quando a produção agrícola está em mãos de agentes que só se preocupam com o lucro e nada mais. Então, claro que não vão vender a quem necessite, e sim a quem pague mais.

Brasil de Fato - Mas essa questão da carne é grave. A que se deve essa situação?
Silvia Ribeiro - O problema da carne é gravíssimo, mas também é gravíssimo porque há uma concentração. No Brasil, por exemplo, está a maior concentração de frango e o México será uma das maiores concentrações de carne. E a carne que se produz não é muito mais que antes, somente está em muito menos mãos. Ou seja, são empresas muito maiores e o que têm feito é deslocar a produção pequena de carne, que é o mesmo que acontece com outras coisas. Aqui no México, por exemplo, metade da produção de porco passou a estar nas mãos de 7 empresas. Essas são também os que controlam a demanda de milho no México. Aqui, as transnacionais dizem que o governo mexicano deve importar milho, porque não alcança a demanda. E isso é mentira! O México produz nesse momento mais milho do que nunca. E não há transgênicos aqui plantados comercialmente. No México se necessita, por média, uns 18 a 20 milhões de toneladas de milho para a população e aqui se produz 24 milhões, Porém, importamos 10 milhões de toneladas. Pra onde vai todo esse milho que se importa dos EUA? Vai para a produção de tortillas industriais, uma parte; e uma maior parte vai para alimentar porcos e frangos que são de empresas transnacionais. Então, é totalmente artificial que no México falta milho. Aqui não falta milho, inclusive nas atuais condições de produção.

Brasil de Fato - E como estão os dados da concentração corporativa?
Silvia Ribeiro - Dados novos sobre a concentração até o inicio de 2010 apontam que as 10 maiores empresas de sementes do mundo controlam 70% do mercado mundial. É brutal. Não é o mesmo ter o mercado de rádios e televisão concentrado do que ter o mercado de sementes – que são a chave de toda a rede alimentar.  Em agrotóxicos temos 10 empresas que controlam 90% do mercado mundial. E são as mesmas em qualquer parte do mundo, por exemplo a Bayer, Monsanto, Syngenta, Dupont. Às vezes usam outros nomes, mas são as mesmas. Agroceres, por exemplo, é Monsanto. Na distribuição, as que seguem são outras, mas há como uma espécie de acordo formal, às vezes, e de colaboração, entre Bunge e Dupont, no Brasil é muito claro – e aqui também. Entre ADM e Syngenta, e entre Cargill e Monsanto. Claro que a Monsanto também vende a outros, mas com quem mais trabalha é Cargill, o mesmo acontece com as outras. Ou seja, na verdade, tem um monopólio muito mais extenso... estamos falando de umas 20 transnacionais no mundo que se juntam para controlar esses fatores que aumentam o preço dos alimentos para poder controlar seus lucros.

Quem é:
A uruguaia Silvia Ribeiro é jornalista e diretora para América latina do grupo ETC. Residente no México, é colunista do jornal mexicano La Jornada e membro do conselho editorial da revista “Biodiversidad, sustento e culturas”, publicada em sete países latino-americanos. O grupo ETC foi a primeira organização da sociedade civil que chamou a atenção, internacionalmente, sobre os fatores socioeconômicos e científicos relacionados com a conservação e uso de recursos genéticos de plantas, com a propriedade intelectual e a biotecnologia.

06 julho, 2011

O Código Florestal e a violência no campo

Por Dom Tomás Balduíno, Revista Fórum

No mês de maio deste ano, desabaram sobre a sociedade brasileira cenas de uma dupla violência: a aprovação do Código Florestal pela maioria da Câmara dos Deputados, tratando do desmatamento, e os assassinatos de líderes camponeses que se opunham ao desmatamento na Amazônia.

A ninguém escapa o protagonismo da bancada ruralista pressionando a votação deste Código por meio de mobilizações de pessoal contratado em Brasília e de sessões apaixonadas na Câmara dos Deputados. Por outro lado, as investigações dos assassinatos vão detectando poderosos ruralistas por trás destas e de outras mortes de camponeses.

O Código tem, de ponta a ponta, um objetivo maior inegável: ampliar o desmatamento em vista do aumento da produção. Um estudo técnico sobre as mudanças aprovadas em Brasília assinala que elas permitem o desmatamento imediato de 710 mil km², mais que o dobro do território do Estado de Goiás.

É impressionante a fúria com que este instrumento legal avança sobre as áreas de preservação dos mananciais destinadas a criar uma esponja à beira dos rios, defendendo-os das enxurradas e impedindo o seu assoreamento. A legislação anterior, embora tímida, exigia uma faixa de 30 metros de cada lado. A atual legislação a reduz para ridículos dez metros.

A reserva legal, religiosamente mantida pelas pequenas e médias propriedades, é o que ainda hoje dá uma visível cobertura de vegetação nativa em nossos diversos biomas, em razão do grande número de médios e pequenos estabelecimentos. Isto também desaparece. Aliás, o Código não cuida da agricultura familiar que é responsável por cerca de 70% dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro.

O Código se ajusta muito mais às áreas desmatadas a perder de vista e destinadas a gigantescas monoculturas. A grande expectativa com relação a esse Código é que se consolidasse a proposta já transformada em lei, de recuperação das áreas devastadas. Para nossa decepção, deixa-as como estão. Nós, do Centro Oeste, estávamos sonhando com a recuperação das áreas de preservação permanente do Rio Araguaia, nosso Pantanal, sobretudo das suas nascentes, desmatadas em 44,5%. O sonho virou pesadelo. Com efeito, a nova Lei deixa tudo como está.

Até hoje, a grande queixa com relação aos desmatamentos no Cerrado e na Amazônia se prendia à falta de fiscalização. Entretanto, é justo reconhecer que muito esforço se fez buscando garantir a lei. Por exemplo, a varredura das áreas via satélite. Infelizmente, tornou-se uma prática nefasta na Amazônia os proprietários aguardarem dias nublados para procederem à queima das árvores. Ao se abrir o céu, o desmatamento já é fato consumado.

Em um dos Fóruns do Cerrado foram ouvidos depoimentos de camponeses denunciando outro tipo de crime: o desmatamento rápido à noite de importantes áreas de Cerrado com o uso de máquinas possantes, sem o risco de fiscalização.
Agora, com a flexibilização do novo Código, não há mais  necessidade de fiscalização. Mais ainda, alguns proprietários, sabendo com antecedência das permissividades e anistias a serem introduzidas por este Código nas áreas devastadas ilegalmente, partiram logo para a criação de fatos consumados derrubando a cobertura verde. O título do brilhante artigo de Washignton Novais em O Popular, de 2 de junho, na página 7, é o seguinte: “Código de florestas ou sem?”. A nova lei foi apelidada também de “Código da Desertificação”.

País do latifúndio
O que estaria por trás de tanta devastação e de tanta lenha acumulada?  É o seguinte: apesar da apregoada excelência dos avanços técnicos e econômicos do agronegócio brasileiro, os dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), referentes ao ano de 2009, em relação à produção por hectare, puseram a nu o fato, por exemplo, de que o Brasil está na sofrível 37ª posição na produção de arroz, atrás de países como El Salvador, Peru, Somália e Ruanda.

No milho, ocupamos a 64ª posição. No trigo, um vexame, na 72ª posição. Na soja, o badalado carro-chefe do agronegócio brasileiro, um modesto 9º lugar, atrás do Egito, da Turquia e da Guatemala. Com relação ao boi, motivo de tanta soberba, de ostentação, de riqueza nas festas agropecuárias, ocupamos a humilde 48ª posição, atrás do Chile, do Uruguai e do Paraguai. (Confiram mais dados no substancioso artigo de Gerson Teixeira, Brasília, 19/5/11, “As Mudanças no Código Florestal: Alternativa para a Ineficiência Produtivista do Agronegócio”).

A produção agropecuária sofre pelos altos gastos devido ao viciado uso do fertilizante e do agrotóxico. Os dados da FAO atestam que, a partir de 2007, nos transformamos no principal país importador de agrotóxico do mundo. Como essa tecnologia, em geral, tem se revelado ainda ineficaz na sonhada superprodução, pensou-se logo na liberação de áreas cada vez maiores de terras destinadas à produção. Se não vencemos em tecnologia, somos imbatíveis no latifúndio. E, para a tranquilidade deste avanço predatório sobre o que resta de cobertura verde, buscou-se um instrumento garantido: justamente esse tal Código Florestal.
Apesar da complexidade deste tema, de pesadas consequências para o futuro da nossa terra, da nossa biodiversidade, dos recursos hídricos, da vida sustentável do solo, causou muita estranheza o fato destes legisladores não terem convidado em momento algum a nossa SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a ABC (Academia Brasileira de Ciências), o FBM (Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas) para os debates. Pois bem, aí está o desastroso resultado: saiu um Código elaborado por ruralistas a serviço de seus colegas ruralistas. Restou-nos, como disse Paulo Afonso Lemos, “um Código que não é claro, não é preciso, não é seguro”.

Mortes no campoEm dezembro de 1988 caiu Chico Mendes, tal como uma pujante seringueira cortada pela raiz. No início de 2005, caiu a irmã Dorothy Stang, atirada pelas costas com a sua Bíblia na mão, sua pomba mensageira da Paz. Na manhã do dia 24 de maio deste ano, derrubaram o casal Maria do Espírito Santo da Silva e José Cláudio Ribeiro da Silva, cuja orelha foi cortada pelos pistoleiros como prova do serviço feito. Logo em seguida, foi assassinado Eremilton Pereira, na mesma área. Supõe-se que tenha sido queima de arquivo por estar presente na hora do primeiro crime. Foi morto também Adelino Ramos, em Rondônia, um sobrevivente de Corumbiara.

Há uma lógica perversa por trás destas e de outras mortes, desde a morte de Zumbi dos Palmares e de Antônio Conselheiro de Canudos, até a morte de José Cláudio da Silva, de Nova Ipixuna. Esta lógica consiste na eliminação seletiva de lideranças vistas como obstáculo aos grandes projetos do agronegócio. A senadora Kátia Abreu, arvorando-se em advogada dos criminosos, declarou, no mesmo dia 24, que estas mortes se devem à invasão de terras. A senadora ou é desinformada ou foi leviana na sua fala. Ao contrário, eles são legítimos assentados do Incra. Mais ainda, são dois heróicos pioneiros da criação da reserva extrativista do Assentamento Praialta Piranheira, em 1997.


Fazendo coro conivente com a parlamentar ruralista, alguns deputados vaiaram o deputado José Sarney Filho quando este leu no plenário da Câmara a chocante notícia das mortes destes camponeses. A nota da Comissão da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) para o serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, faz justiça aos assassinados, fornecendo-nos uma preciosidade, a saber, a declaração de José Cláudio, em um plenário de 400 pessoas reunidas para estudarem a qualidade de vida do planeta:
“Vivo da floresta, protejo ela de todo jeito, por isso vivo com a bala na cabeça a qualquer hora porque vou pra cima, eu denuncio. Quando vejo uma árvore em cima do caminhão indo pra serraria me dá uma dor. É como o cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem, porque isto é vida pra mim que vivo na floresta e pra vocês também que vivem nos centros urbanos.”

Em média, por ano, 2.709 famílias são expulsas de suas terras pelo poder privado e 63 pessoas são assassinadas no campo brasileiro na luta por um pedaço de terra! 13.815 famílias são despejadas pelo Poder Judiciário e pelo Poder Executivo por meio de suas polícias! 422 pessoas são presas por lutar pela terra!  765 conflitos acontecem diretamente relacionados à luta pela terra! 92.290 famílias são envolvidas em conflitos por terra!

Carlos Walter Porto Gonçalves, professor do programa de pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF), ao analisar anualmente os Cadernos de Conflitos no Campo da CPT, introduziu a preocupação com a geografia dos conflitos. Comparando e ponderando o número de conflitos com o número de habitantes na zona rural de cada Estado, trouxe à tona a importante constatação de que o aumento da violência acontece em função do desenvolvimento do agronegócio.

A violência não acontece, pois, só nas áreas do atraso, acontece, sobretudo, nos centros mais progressistas do país. “A violência”, diz ele, “é mais intensa nos Estados onde a dinâmica sociogeográfica está fortemente marcada pela influência da expansão dos modernos latifúndios (autodenominados agronegócio). É no Centro Oeste e no Norte que as últimas fronteiras agrícolas são conquistadas às custas do sofrimento e do sangue dos trabalhadores e dos que os apoiam” ( Caderno da CPT, 2005, pág. 185).

Diz ele: “O agronegócio necessita permanentemente incorporar novas terras e para isso lança mão de todos os mecanismos de que dispõe: os de mercado, os políticos e a violência”. A violência é parte essencial da história dos pobres da terra: índios, negros, camponeses. Ela, por sua vez, é alimentada pela impunidade, fenômeno sociopolítico conscientemente assimilado pela nossa instituição judiciária.

A CPT tem a famosa tabela dos assassinatos e julgamentos de 1985 a 2011:
Assassinatos:  1580.
Casos julgados: 91
Executores condenados: 73
Executores absolvidos: 51
Mandantes absolvidos: 7
Mandantes condenados: 21
Mandantes hoje presos:  1
Conclusão: de 1580 assassinados, só um mandante condenado se encontra na prisão! Esta é a medida da impunidade!


Encerrando esta análise da dupla violência do agronegócio, consubstanciada na violência contra a terra e na violência contra a pessoa humana, não posso deixar de destacar a contrapartida deste modelo, a saber, a nova busca do “cuidado” como lição que nos é dada pelos povos tradicionais. As comunidades indígenas vivem isto como algo que está profundamente entranhado na alma, leva-as a se entrosarem harmoniosamente com a Mãe Terra, a se entrosarem pessoas com pessoas, com a memória dos antepassados e com o próprio Deus.

A Terra, como se diz, está doente e ameaçada. Hoje, felizmente, vai se desenvolvendo a cultura ecológica que consiste no cuidado não só com o ser humano, mas com o planeta inteiro. O planeta não cuidado, como ensina Leonardo Boff, pode entrar num processo de enfermidade, diminuir a biosfera com consequências de que milhares vão desaparecer, não excluída a própria espécie humana.

Uma outra luz nos vem destes povos e de suas culturas. É o “bem viver”. É uma vida voltada para os valores humanos e espirituais e não presa às coisas, às riquezas, ao consumismo.

Na minha juventude, tive a chance de conviver com um grupo indígena, bem primitivo, no coração da Amazônia. Fiquei encantado ao descobrir, entre outras joias, que, na língua deles, não existe o verbo TER. Um povo que vive feliz e que, no entanto, não acumula. Gente que faz do necessário o suficiente. A melhor prova desta felicidade está na constatação da alegria espontânea das crianças. Elas são o melhor espelho do povo.

A nova divisão internacional do mundo

Por Marcio Pochmann, Revista Fórum

Até a metade do século XVIII, o espaço geográfico que compreende os países asiáticos respondia pela maior parte da produção mundial, tendo em vista a combinação de sua grande dimensão populacional e territorial. Com o surgimento da primeira Revolução Industrial (motor a vapor, ferrovias e tear mecânico), a partir de 1750, o centro dinâmico do mundo deslocou-se para o Ocidente, especialmente para a Inglaterra, que rapidamente se transformou na grande oficina de manufatura do mundo por conta de sua original industrialização.

A divisão internacional do trabalho, que resultou do movimento de deslocamento da estrutura da produção e exportação na manufatura inglesa em relação aos produtos primários exportados pelo resto do mundo, sofreu modificações importantes somente com o avanço da segunda Revolução Industrial (eletricidade, motor a combustão e automóvel) no último quartel do século XIX. Naquela época, a onda de industrialização retardatária em curso nos Estados Unidos e Alemanha, por exemplo, protagonizou as principais disputas em torno da sucessão da velha liderança inglesa. A sequência de duas grandes guerras mundiais (1914 e 1939) apontou não apenas para o fortalecimento estadunidense como permitiu consolidar o novo deslocamento do centro dinâmico mundial da Europa (Inglaterra) para a América (EUA).

Com a Guerra Fria (1947 – 1991), prevaleceu a polarização mundial entre o bloco de países liderados pelos Estados Unidos e pela antiga União Soviética. Na década de 1970, com a crise capitalista impulsionada pela elevação dos preços de matéria-prima e petróleo, a economia dos EUA apresentou sinais de enfraquecimento, simultaneamente ao fortalecimento da produção e exportação japonesa e alemã. Especialmente com a adoção das políticas neoliberais pelos EUA, o mundo novamente voltou a se curvar ao poder norte-americano, sobretudo nos anos 1990, com o desmoronamento soviético que favoreceu o exercício unipolar da dinâmica econômica mundial.

A manifestação da grave crise global desde 2008 tornou mais claro o conjunto de sinais da decadência relativa dos Estados Unidos. A ineficácia das políticas neoliberais e o poder concentrado e centralizado das grandes corporações transnacionais adonaram-se do Estado em grande parte dos países desenvolvidos, sendo responsável pela adoção de políticas caracterizadas como “socialismo dos ricos”. Enquanto os trabalhadores pagam com a perda de seus empregos e a precarização das ocupações, os grandes grupos econômicos se ajustam com grandes somas do orçamento público, este, incapaz de recuperar a dinâmica produtiva, priorizando a financeirização da riqueza.

Simultaneamente, percebe-se o reaparecimento da multicentralidade geográfica mundial com um novo deslocamento do centro dinâmico da América (EUA) para a Ásia (China). Ao mesmo tempo, países de grande dimensão geográfica e populacional voltaram a assumir maior responsabilidade no desenvolvimento mundial, como no caso da China, Brasil, Índia, Rússia e África do Sul, que já respondem atualmente pela metade da expansão econômica do planeta. São cada vez mais chamados de “países baleia”, que procuram exercer efeitos sistêmicos no entorno de suas regiões, fazendo avançar a integração supra-regional, como no caso do Mercosul e Asean, que se expandem com maior autonomia no âmbito das relações Sul-Sul. Não sem motivos, demandam reformulações na ordem econômica global (reestruturação do padrão monetário, exercício do comércio justo, novas alternativas tecnológicas, democratização do poder e sustentabilidade ambiental).

Uma nova divisão internacional do trabalho se vislumbra associada ao desenvolvimento das forças produtivas assentadas na agropecuária, mineração, indústria e construção civil nas economias “baleia”. Também ganham importância as políticas de avanço do trabalho imaterial conectado com a forte expansão do setor de serviços. Essa inédita fase do desenvolvimento mundial tende a depender diretamente do vigor dos novos países que emergiram cada vez mais distantes dos pilares anteriormente hegemônicos do pensamento único (equilíbrio de poder nos Estados Unidos, sistema financeiro internacional intermediado pelo dólar e assentado nos derivativos, Estado mínimo e mercados desregulados), atualmente desacreditados.

Nestes termos, percebe-se que a reorganização mundial desde a crise global em 2008 vem se apoiando numa nova estrutura de funcionamento que exige coordenação e liderança mais ampliada. Os “países baleia” podem contribuir muito para isso, tendo em vista que o tripé da nova expansão econômica global consiste na alteração da partilha do mundo derivada do policentrismo, associado à plena revolução da base técnico-científica da produção e do padrão de consumo sustentável ambientalmente.

A conexão dessa totalidade nas transformações mundiais requer o resgate da cooperação e integração supranacional em novas bases. A começar pela superação da antiga divisão do trabalho entre países assentada na reprodução do passado (menor custo de bens e serviços associado ao reduzido conteúdo tecnológico e valor agregado dependente do uso trabalho precário e da execução em longas jornadas sub-remuneradas). Com isso, o desenvolvimento poderia ser efetivamente global, evitando combinar a riqueza de alguns com a pobreza de outros.

As decisões políticas de hoje tomadas pelos países de grandes dimensões territoriais e populacionais podem asfaltar, inexoravelmente, o caminho do amanhã voltado à constituição de um novo padrão civilizatório global. Quem sabe faz acontecer, como se pode observar pelas iniciativas brasileiras recentes. Todavia, elas ainda precisam ser crescentemente aprimoradas, avançando no enfrentamento dos problemas de ordem emergencial, como valorização cambial e elevada taxa de juros, que comprometem a competitividade, para as ações estratégicas que atuam sobre a nova divisão internacional do trabalho.

05 julho, 2011

Pesquisadoras do Nurba apresentam trabalho em seminário na UFPE

As pesquisadoras Aline Tavares de Sousa e Zilá Barros da Silva, mestrandas em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e integrantes do Nurba, participaram do I Seminário Novas Territorialidades e Desenvolvimento Sustentável. O evento ocorreu nos dias 9 e 10 de junho, no Centro de Ciências Sociais Aplicadas, na Universidade Federal do Pernambuco (UFPE).

As duas geográfas apresentaram o trabalho "Territórios da Cidadania numa perspectiva para o desenvolvimento regional" no seminário. Segundo a organização, o evento tinha como objetivo promover o incentivo da pesquisa interdisciplinar entre os programas de pós-graduação em Serviço Social e em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA), ambos da UFPE.