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28 outubro, 2009

O Desenvolvimento chega de trem?

Eonilson Antonio de Lima*

O Presidente Lula dia 09 de dezembro de 2008 desce de helicóptero próximo ao pátio e vai de trem com a comitiva até o Porto Seco onde acontece a cerimônia de inauguração do trecho da Ferrovia Norte Sul no Estado do Tocantins. Nesse grandioso evento as maiores estrelas da política brasileiras, e é bom que se diga, estrelas da grande mídia se misturam aos moradores da região e a produtores rurais (sojicultores; representantes do agronegócio, as populações urbanas das cidades próximas; que articuladas pelos políticos locais fizeram caravanas para não ficarem de fora do evento, assentados das mediações do porto já que este fica ao lado de um assentamento de Reforma Agrária do INCRA e posseiros que vivem na região há décadas) que se entreolham e não entende o que verdadeiramente está acontecendo.

Todos ficam embevecidos com tantas figuras importantes, com tantos discursos eloqüentes, e daí definitivamente acreditam, agora o progresso chegou, agora sim saímos do atraso, o trem que estava prometido desde quando os militares controlavam o país finalmente é realidade em nossa região. Temos agora um porto seco e podemos enfim estabelecer relações comerciais com qualquer parte do país e quiçá do mundo. Essa é a máxima que povoa a cabeça do povo independentemente de sua cor, classe ou credo!

Mas então, como é possível entender a essa lógica que ora esta posta em nossas vidas e discussões? É possível o desenvolvimento chegar de trem como se fosse uma mercadoria, uma commodity que talvez chegasse importada de outras partes do mundo? Ou será que na verdade essa festança é para desviar a atenção do povo que geralmente não faz os questionamentos verdadeiros a respeito desse “pseudo desenvolvimento”? Será que não se trata de mais uma grande obra que beneficiará apenas uns poucos escolhidos ligados à oligarquia política local ou ao grande capital? Porque vejamos: se o desenvolvimento é do país ou da região deve-se então considerar toda a população, a inserção de todos os agentes econômicos da região certo? Nesse sentido então, é preciso perguntar qual será a participação dos assentados que por ventura não estão ligados a esta lógica capitalista? Para os posseiros que vivem da agricultura de subsistência e do extrativismo quais seriam as vantagens? Imaginemos também quais serão os impactos ambientais provocados pela construção da ferrovia, que inclusive já gerou protesto e manifestações de comunidades atingidas. É preciso perguntar quem são os mais impactados? E quais serão os principais beneficiados? E os trabalhadores urbanos, como serão contemplados? Quem esse miraculoso projeto realmente contemplará? Os índices de empregos irão aumentar? Qual será o desfecho desse projeto no futuro da economia local? Como é possível falar em desenvolvimento sem levar em conta a educação, em não efetivar primeiro políticas públicas de saúde, geração de renda para as populações locais, capacitação da mão de obra. Sem contar principalmente a garantia e direito de preservação de suas culturas e o respeito as suas tradições. As populações locais têm direito de manifestação sem ser motivo para “chacotas” a nem imposição uma cultura “chegante”, que discrimina e considera o povo local como um bando de ignorantes e atrasados. Pior ainda, os espaços naturais preservados ainda existentes não podem ser objetos de cobiça. O cerrado, as florestas de babaçu, as matas ciliares têm que ser preservadas.

Mas o que estamos assistindo hoje é a transformação da paisagem natural: o verde se transformar no amarelo ou opaco da soja em suas diferentes etapas de produção. Os rios sendo empesteados por resíduos de agrotóxicos, a devastação do cerrado para dar lugar ao pasto e a produção de grãos. Os posseiros e familiares que moram na terra há décadas ou séculos sendo violentamente expulsos de suas terras, ou tentados a vender suas terras e mudar para as periferias das cidades, engrossando os índices de violência, desagregação familiar e crescimento urbano desordenado.

É preciso mais do que nunca diferenciar o que é desenvolvimento regional de crescimento econômico. O desenvolvimento contempla todos, independente da posição social que ocupa, da atividade que desenvolve, o crescimento econômico beneficia os já integrados a lógica capitalista, a economia de mercado e em conseqüência quem estiver fora dessa lógica estará automaticamente alijado do processo. Assim, os posseiros, assentados, ribeirinhos, extrativistas que não estiverem predispostos a mudar radicalmente sua vida e se sujeitarem às imposições estabelecidas nas relações mercadológicas não participarão dos benefícios deste progresso que o trem está trazendo. E a razão é bem simples, é só observar a paisagem nas proximidades dos trilhos. Na região de Colinas do Tocantins é possível afirmar: é soja e pastagem a paisagem predominante nas margens da ferrovia. E este fenômeno não é de responsabilidade das comunidades tradicionais bem como os assentados ou posseiros. Aliás, 100% dos agricultores familiares não produzem em escala, não terão condições de exportar nenhum de seus produtos e provavelmente não andarão nem eles próprios nos vagões dos trens, pois não haverá transporte de passageiros.

A nova ordem estabelecida no campo trará sem dúvida impactos indesejáveis tanto para as populações rurais como para as urbanas, a poluição das águas, do ar, o êxodo rural, aumento da violência urbana, desagregação familiar são algumas destas conseqüências. Esses são alguns pontos da incomensurável mazela provocada pelo irresponsável modelo de desenvolvimento do agro negócio, aliado a especulação capitalista proposto na nossa região.

É necessário que organismos ambientais, sociais, governamentais ou não, segmentos da sociedade organizada, contraponham a essa lógica perversa, desumana. É preciso denunciar com veemência que esse suposto projeto de “desenvolvimento” como gerador de desequilíbrios ambientais, sociais, culturais e econômico. Esses projetos, são inviáveis do ponto de vista da sustentabilidade econômica, social e ambiental porque consomem enormes quantidades de recursos públicos, arrasam o meio ambiente, provocando o êxodo rural, desrespeitam as culturas tradicionais, ridicularizam o modo secular de vida de inúmeras comunidades em nome de um falso progresso.

O relatório da Comissão Pastoral da Terra CPT 06/12/2008 – XXVIII Assembléia Regional insere-se na discussão com essa mesma preocupação quando afirma: (..) Nesse sentido é necessário à intervenção das organizações populares galgando passos na construção de um projeto alternativo e popular, possibilitando definitivamente uma atuação estratégica e coerente com ampla participação em torno de um projeto que promova a vida no campo e na cidade, é urgente uma grande mobilização social em vista de “Libertar a Terra e Salvar a Vida”.

É necessário que se pense o desenvolvimento a partir do que se tem disponível, de um processo endógeno, de um desenvolvimento integrador e que junte o econômico, o social, o cultural e o ambiental. E essa discussão tem que acontecer com a população local, levando em consideração as devidas vocações de cada região. Importar energia, mão de obra, modelos econômicos sem levar em conta as condições e potenciais locais não é o modelo desejável pelo povo. E ainda principalmente sem a preocupação apenas da lucratividade de alguns poucos ligados as correntes oligarcas, as frentes pioneiras, monocultoras ligadas ao complexo da soja ou da carne em detrimento da exclusão e miséria de muitos excluídos dessa lógica produtiva e concentradora da produção de lucro e das riquezas. Esse é o grande desafio, o desafio que chegada dos trilhos do trem da Ferrovia Norte Sul não trazem e os apitos das locomotivas não anunciam.

*É historiador, professor de História, na Rede Estadual de Ensino e Coordenador do CAANTO- Centro de Assessoria Ambiental do Norte Tocantinense. e.mail .
eonilsonlima@uol.com.br

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