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28 agosto, 2011

O brasileiro come veneno

Por Aline Scarso, Brasil de Fato

Silvio Tendler é um especialista em documentar a história brasileira. Já o fez a partir de João Goulart, Juscelino Kubitschek,Carlos Mariguela, Milton Santos, Glauber Rocha e outros nomes importantes. Em seu último documentário, Silvio não define nenhum personagem em particular, mas dá o alerta para uma grave questão que atualmente afeta a vida e a saúde dos brasileiros: o envenenamento a partir dos alimentos.

No documentário "O veneno está na mesa", lançado na segunda-feira (25) no Rio de Janeiro, o documentarista mostra que o Brasil está envenenando diariamente sua população a partir do uso abusivo de agrotóxicos nos alimentos. Em um ranking para se envergonhar, o brasileiro é o que mais consome agrotóxico em todo o mundo, sendo 5,2 litros a cada ano por habitante. As consequências, como mostra o documetário, são desastrosas.

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Silvio Tendler diz que o problema está no modelo de desenvolvimento brasileiro. E seu filme, que também é um produto da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, capitaneada por uma dezena de movimentos sociais, nos leva a uma reflexão sobre os rumos desse modelo.

Brasil de Fato – Você que é um especialista em registrar a história do Brasil, por que resolveu documentar o impacto dos agrotóxicos sobre a agricultura e não um outro tema nacional?
Silvio Tendler –
Porque a partir de agora estou querendo discutir o futuro e não mais o passado. Eu tenho todo o respeito pelo passado, adoro os filmes que fiz, adoro minha obra. Aliás, meus filmes não são voltados para o passado, são voltados para uma reflexão que ajuda a construir o presente e, de uma certa forma, o futuro. Mas estou muito preocupado. Na verdade esse filme nasceu de uma conversa minha com [o jornalista e escritor] Eduardo Galeano em Montevidéu [no Uruguai] há uns dois anos atrás, em que discutíamos o mundo, o futuro, a vida. E o Galeano estava muito preocupado porque o Brasil é o país que mais consumia agrotóxico no mundo. O mundo está sendo completamente intoxicado por uma indústria absolutamente desnecessária e gananciosa, cujo único objetivo realmente é ganhar dinheiro. Quer dizer, não tem nenhum sentido para a humanidade que justifique isso que está se fazendo com os seres humanos e a própria terra. A partir daí resolvi trabalhar essa questão. Conversei com o João Pedro Stédile [coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], e ele disse que estavam preocupados com isso também. Por coincidência, surgiu a Campanha permanente contra os Agrotóxicos, movida por muitas entidades, todas absolutamente muito respeitadas e respeitáveis. Fizemos a parceria e o filme ficou pronto. É um filme que vai ter desdobramentos, porque eu agora quero trabalhar essas questões.
Então seus próximos documentários deverão tratar desse tema?
Pra você ter uma ideia, no contrato inicial desse documentário consta que ele seria feito em 26 minutos, mas é muita coisa pra falar. Então ficou em 50 [minutos]. E as pessoas quando viram o filme, ao invés de me dizerem ‘está muito longo’, disseram ‘está curto, você tem que falar mais’. Quer dizer, tem que discutir outras questões, e aí eu me entusiasmei com essa ideia e estou querendo discutir temas conexos à destruição do planeta por conta de um modelo de desenvolvimento perverso que está sendo adotado. Uma questão para ser discutida de forma urgente, que é conexa a esse filme, é o agronegócio. É o modelo de desenvolvimento brasileiro. Quer dizer, porque colocar os trabalhadores para fora da terra deles para que vivam de forma absolutamente marginal, provocando o inchaço das cidades e a perda de qualidade de vida para todo mundo, já que no espaço onde moravam cinco, vão morar 15? Por que se plantou no Brasil esse modelo que expulsa as pessoas da terra para concentrar a propriedade rural em poucas mãos, esse modelo de desenvolvimento, todo ele mecanizado, industrializado, desempregando mão de obra para que algumas pessoas tenham um lucro absurdo? E tudo está vinculado à exploração predatória da terra. Por que nós temos que desenvolver o mundo, a terra, o Brasil em função do lucro e não dos direitos do homem e da natureza? Essas são as questões que quero discutir.

Você também mostrou que até mesmo os trabalhadores que não foram expulsos do campo estão morrendo por aplicar em agrotóxicos nas plantações. O impacto na saúde desses agricultores é muito grande...É mais grave que isso. Na verdade, o cara é obrigado a usar o agrotóxico. Se ele não usar o agrotóxico, ele não recebe o crédito do banco. O banco não financia a agricultura sem agrotóxico. Inclusive tem um camponês que fala isso no filme, o Adonai. Ele conta que no dia em que o inspetor do banco vai à plantação verificar se ele comprou os produtos, se você não tiver as notas da semente transgênica, do herbicida, etc, você é obrigado a devolver o dinheiro. Então não é verdade que se dá ao camponês agricultor o direito de dizer ‘não quero plantar transgênico’, ‘não quero trabalhar com herbicidas’, ‘quero trabalhar com agricultura orgânica, natural’. Porque para o banco, a garantia de que a safra vai vingar não é o trabalho do camponês e a sua relação com a terra, são os produtos químicos que são usados para afastar as pestes, afastar pragas. Esse modelo está completamente errado. O camponês não tem nenhum tipo de crédito alternativo, que dê a ele o direito de fazer um outro tipo de agricultura. E aí você deixa as pessoas morrendo como empregadas do agronegócio, como tem o Vanderlei, que é mostrado no filme. Depois de três anos fazendo a tal da mistura dos agrotóxicos, morreu de uma hepatopatia grave. Tem outra senhora de 32 anos que está ficando totalmente paralítica por conta do trabalho dela com agrotóxico na lavoura do fumo.

A impressão que dá é que os brasileiros estão se envenenando sem saber. Você acha que o filme pode contribuir para colocar o assunto em discussão?Eu acho que a discussão é exatamente essa, a discussão é política. Eu, de uma certa maneira, despolitizei propositadamente o documentário. Eu não queria fazer um discurso em defesa da reforma agrária ou contra o agronegócio para não politizar a questão, para não parecer que, na verdade, a gente não quer comer bem, a gente quer dividir a terra. E são duas coisas que, apesar de conexas, eu não quis abordar. Eu não quis, digamos assustar a classe média. Eu só estou mostrando os malefícios que o agrotóxico provoca na vida da gente para que a classe média se convença que tem que lutar contra os agrotóxicos, que é uma luta que não é individual, é uma luta coletiva e política. Tem muita gente que parte do princípio ‘ah, então já sei, perto da minha casa tem uma feirinha orgânica e eu vou me virar e comer lá’, porque são pessoas que têm maior poder aquisitivo e poderiam comprar. Mas a questão não é essa. A questão é política, porque o agrotóxico está infiltrado no nosso cotidiano, entendeu? Queira você ou não, o agrotóxico chega à sua mesa através do pão, da pizza, do macarrão. O trigo é um trigo transgênico e chega a ser tratado com até oito cargas de pulverizador por ano. Você vai na pizzaria comer uma pizza deliciosa e aquilo ali tem transgênico. O que você está comendo na sua mesa é veneno. Isso independe de você. Hoje nada escapa. Então, ou você vai ser um monge recluso, plantando sua hortinha e sua terrinha, ou se você é uma pessoa que vai ficar exposta a isso e será obrigada a consumir.

Como você avalia o governo Dilma a partir dessa política de isenção fiscal para o uso de agrotóxico no campo brasileiro?Deixa eu te falar, o governo Dilma está começando agora, não tem nenhum ano, então não dá para responsabilizá-la por essa política. Na verdade esse filme vai servir de alerta para ela também. Muitas das coisas que são ditas no filme, eles [o governo] não têm consciência. Esse filme não é para se vingar de ninguém. É para alertar. Quer dizer, na verdade você mora em Brasília, você está longe do mundo, e alguém diz para você ‘ah, isso é frescura da esquerda, esse problema não existe’, e os relatórios que colocam na sua mesa omitem as pessoas que estão morrendo por lidar diretamente com agrotóxico. [As mortes] vão todas para as vírgulas das estatísticas, entendeu? Acho que está na hora de mostrar que muitas vidas não seriam sacrificadas se a gente partisse para um modelo de agricultura mais humano, mais baseado nos insumos naturais, no manejo da terra, ao invés de intoxicar com veneno os rios, os lagos, os açudes, as pessoas, as crianças que vivem em volta, entendeu? Eu acho que seria ótimo se esse filme chegasse nas mãos da presidenta e ela pudesse tomar consciência desse modelo que nós estamos vivendo e, a partir daí, começasse a mudar as políticas.

No documentário você optou por não falar com as empresas produtoras de agrotóxicos. Essa ideia ficou para um outro documentário?É porque eu não quis fazer um filme que abrisse uma discussão técnica. Se as empresas reclamarem muito e pedirem para falar, eu ouço. Eu já recebi alguns pedidos e deixei as portas abertas. No Ceará eu filmei um cara que trabalha com gado leiteiro que estava morrendo contaminado por causa de uma empresa vizinha. Eu filmei, a empresa vizinha reclamou e eu deixei a porta aberta, dizendo ‘tudo bem, então vamos trabalhar em breve isso num outro filme’. Se as empresas que manipulam e produzem agrotóxico me chamarem para conversar, eu vou. E vou me basear cientificamente na questão porque eles também são craques em enrolar. Querem comprovar que você está comendo veneno e tudo bem (risos). E eu preciso de subsídios para dizer que não, que aquele veneno não é necessário para a minha vida. Nesse primeiro momento, eu quis botar a discussão na mesa. Algumas pessoas já começaram a me assustar, ‘você vai tomar processo’, mas eu estou na vida para viver. Se o cara quiser me processar por um documentário no qual eu falei a verdade, ele processa pois tem o direito. Agora, eu tenho direito como cineasta, de dizer o que eu penso.

Esse filme será lançado somente no Rio ou em outras capitais também?Eu estou convidado também para ir para Pernambuco em setembro, mas o filme pode acontecer independente de mim. Esse filme está saindo com o selinho de ‘copie e distribua’. Ele não será vendido. A gente vai fazer algumas cópias e distribuir dentro do sentido de multiplicação, no qual as pessoas recebem as cópias, fazem novas e as distribuem. O ideal é que cada entidade, e são mais de 20 bancando a Campanha, consiga distribuir pelo menos mil unidades. De cara você tem 20 mil cópias para serem distribuídas. E depois nós temos os estudantes, os movimentos sociais e sindicais, os professores. Vai ser uma discussão no Brasil. Temos que levar esse documentário para Brasília, para o Congresso, para a presidenta da República, para o ministro da Agricultura, para o Ibama. Todo mundo tem que ver esse filme.

E expectativa é boa então?Sim. Eu sou um otimista. Sempre fui.

15 agosto, 2011

Nurba realizará I Simpósio Nacional e IV Simpósio Regional

O Nurba realizará nos dias 19 a 22 de outubro o IV Simpósio Regional e I Simpósio Nacional com o tema "Cidades, Fronteiras e Território Nacional. Tendo como eixos temáticos: cidades e espaços urbano; fronteiras e os conflitos sócio-territoriais; e, territórios tradicionais. As inscrições iniciam dia 26 de agosto, na sala do Nurba, campus de Porto Nacional, Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Tendo os eventos o objetivo de construir um espaço, em âmbito nacional, de discussão com palestrantes e debatedores nacionais e regionais que possa contribuir com ações de enfrentamento dos conflitos sócio-territoriais na fronteira. Além, de ser um espaço para a socialização da produção cientifica atual acerca das problemáticas apontadas.

O Simpósio estará aberto à comunidade acadêmica da UFT e demais universidades brasileiras, professores, pesquisadores e alunos da rede estadual e municipal do Tocantins, e comunidades indígenas, camponesas e quilombolas e movimentos sociais do campo e da cidade e profissionais que atuam nas áreas de conhecimento afins.

Os valores das inscrições são: participantes – R$ 10; com apresentação de trabalho – R$ 15; e, professores – R$ 20. Aos interessados em apresentar trabalhos nos simpósios – artigos completos ou resumos - devem enviar entre os dias 26 de agosto a 25 de setembro no e-mail (simposionurba@gmail.com). Em breve publicaremos no blog as orientações para submissão dos trabalhos.


Os parceiros dos eventos são: Universidade Federal de Tocantins, CNPq, mestrado de Geografia da UFT, curso de Geografia do campus de Porto Nacional, a  Secretaria Municipal de Educação de Porto Nacional e a Editora Pote (ONG Pote de Barro).

Kátia Abreu: pobre tem que comer alimentos com agrotóxicos


Promotora constrange acampados por suposta degradação ambiental em TO


Da Página do MST

As famílias acampadas às margens da rodovia TO-050, entre as cidades de Palmas e Porto Nacional, foram constrangidas pela promotora de justiça, Marcia Mirele Stefanello, do Ministério Público do Estado do Tocantins (MPE/TO). A promotora foi ao acampamento “Sebastião Bezerra”, acompanhada da polícia, para fazer o cadastro das pessoas, cuja função é atribuída ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que já disse que em breve fará o cadastro das famílias.Em resposta à atitude da promotora, as direções estaduais do MST e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) protocolaram um ofício na Corregedoria Geral do MPE/TO na terça-feira, 09/08.

A promotora alega que as famílias estariam degradando o córrego e as matas próximas. Segundo líderes do acampamento, não existe devastação das matas e que são parte interessadas em garantir a preservação do córrego, pois depende dele para sobreviver. São mais de 300 pessoas acampadas em uma área pública, cuja maioria das madeiras utilizadas para construção de suas moradias - e não para fins comerciais -, são de restos de construções em Palmas, sem que houvesse a derrubada de árvores. Uma ação contra as famílias é desconsiderar que estão em situação adversa e que reivindicam o mínimo para sobreviver.

O MAB e MST questiona o fato do proprietário da Fazenda Dom Augusto, Alcides Rebeschini ter sido multado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em mais de R$ 1 milhão por cometer crime ambiental e nada ter sido feito até o momento. Para o coordenador do MST, Antônio Marcos, a acusação de que as famílias estariam desmatando área de preservação ambiental, é uma tentativa de criminalizar a luta popular e os movimento sociais, com o objetivo de desviar a atenção da opinião pública da pauta principal, ou seja, a morosidade do Poder Público em realizar Reforma Agrária em Tocantins.

Histórico
As famílias ocuparam a fazenda Dom Augusto, localizada no quilômetro 25 entre Porto Nacional e Palmas, no dia 21 de abril deste ano, em protesto as irregularidades do latifúndio. O proprietário, Alcides Rebeschini, não tem todo a documentação da área. Dos três mil hectares de terra, apenas 1.200 são titulados. A fazenda também está na lista suja do Ministério do Trabalho e Emprego por ter sido flagrada com a prática de trabalho escravo, onde 100 trabalhadores foram resgatados em 2005.

A Batalha do Chile - a insurreição da burguesia

O documentário "A Batalha do Chile - a insurreição da burguesia" é o primeiro filme dos três produzidos pelo cineasta Gusman. Os três documentários retratam a chegada ao poder da Unidade Popular, aliança partidária que elegeu o presidente Salvador Allende, até o golpe militar apoiodo pela CIA.

13 agosto, 2011

17 de agosto, 100 mil mulheres vão marchar por um Brasil melhor!

A Marcha das Margaridas é uma ação estratégica das mulheres do campo e da floresta para conquistar visibilidade, reconhecimento social e político e cidadania plena.

Consolidou-se na luta contra a fome, a pobreza e a violência sexista e sua agenda política de 2011 tem como lema desenvolvimento  sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade.

Coordenada pelo Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais composto pela Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura – Contag, por 27 Federações – Fetag’s e mais de 4000 sindicatos, sua realização conta com ampla parceria.

Em 2011, as mulheres trabalhadoras rurais, pela terceira vez, estarão nas ruas, em movimento, para protestar contra as desigualdades sociais; denunciar todas as formas de violência, exploração e dominação e avançar na construção da igualdade entre homens e mulheres.

Junte-se a nós! Assuma o compromisso com a luta da Marcha das Margaridas de 2011. Venha marchar por desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade para todas as mulheres!

Trabalhadoras do campo e da floresta pelo reconhecimento social e político e pela cidadania plena.

11 agosto, 2011

Nurba manifesta apoio ao acampamento Sebastião Bezerra e a Via Campesina

Novamente o Núcleo de Estudos Urbanos, Regionais e Agrários (NURBA) da Universidade Federal do Tocantins (UFT) manifesta publicamente o apoio à luta pela terra dos movimentos sociais no Estado do Tocantins, VIA CAMPESINA. E neste sentido, repudiamos a atitude da Promotoria de Justiça de Porto Nacional, do Ministério Público do Estado do Tocantins, ao acusar as famílias do acampamento Sebastião Bezerra, localizado no Córrego Chupé, às margens da rodovia TO-010 – Porto/Palmas, de degradação ao meio ambiente.

Entendemos que acusar as famílias acampadas de destruidores do ambiente é no mínimo falta de conhecimento do modo de produção. Pois, quem degrada o meio ambiente do cerrado tocantinense é o agronegócio da soja, do eucalipto e da cana de açúcar. A agricultura camponesa de subsistência praticada pelos sem terra sempre esteve, historicamente, em harmonia com o meio ambiente, tanto do ponto de vista de suas práticas como do ponto de vista de escala de produção. Portanto preferiríamos assistir o ministério Público defendendo os direitos públicos da sociedade e não os interesses privados de empresas agroindustriais que ninguém sabe onde estão localizadas suas sedes e que suas reservas legais (floresta) devem estar localizadas em alguns topo de morro ao longo da serra geral no Tocantins.

Naquele acampamento esta explicita a mais legítima forma de luta em busca da conquista de um direito institucional do homem e mulher do campo brasileiro, a constituição de 1988 deu garantia, através do dispositivo da função social da terra, ao camponês a continuar em sua luta histórica pela conquista definitiva da terra. O Incra e todas as instituições públicas conhecem muito bem esse dispositivo constitucional sobre a propriedade da terra no Brasil.

Uma ação da sociedade organizada, como esta, é a busca do exercício da democracia dentro de uma realidade que não respeita os direitos mínimos e fundamentais do ser humano, principalmente, dos mais pobres. A ocupação da fazenda Dom Augusto no município de Porto Nacional, feita na ação do Abril Vermelho deste ano, foi um referencial teórico de ocupações de terras na região, pois trata-se da ocupação de um imenso latifúndio de terras “irre-gularizada”, com problemas ambientais sérios e inclusão na Lista Suja do Trabalho Escravo. A fazenda possui 3000/ha e só aparece registrado em nome do proprietário 1200/ha, um forte sinal de irregularidades.

A ação destas famílias sem terras, articuladas na Via Campesina, traz uma outra reivindicação do modo de produção, outro modo de vida, proporciona a reflexão sobre a concentração de terras, como o uso do agrotóxico impacta o ambiente e as pessoas através do envenenamento dos alimentos, as construções das hidrelétricas e também, é mais importante plantar para exportar, ou permitir que milhares de famílias plantem para viver e garantir um alimento saudável nas cidades do Estado.

Caso exista motivo para a denúncia a respeito de crime ambiental, não cabe aos acampados do Chupé e sim aos proprietários da fazenda Don Augusto. Cabe ao IBAMA cumprir seu papel fiscalizador e multa-la pela construção irregular de um grande lago artificial que alterou o nível de balanço hídrico local. Dessa forma nós, enquanto pesquisadores, precisamos ter o compromisso com a população do Estado, os sem teto, sem terra, camponeses, indígenas, pescadores, quilombolas, todos aqueles expropriados do direito à vida digna e justa.

O NURBA se solidariza com a ação da MST-TO e considera legítima a luta pela Reforma Agrária. Finalizamos nosso manifesto com as palavras de um lutador que morreu pela causa camponesa, Padre Josimo Tavares, e reafirmamos nosso compromisso: todo nosso apoio à luta da classe trabalhadora, à luta camponesa!

Nas mãos do povo, 
nas línguas da história,
o Desafio da Nova Sociedade.
Como se descama o peixe,
e com sal se lhe devolve o gosto ardente
que sacia a fome
água de quem navega a liberdade,
assim os pequenos-oprimidos,
em passos de esperança,
arrancarão da nossa história
o Medo,
e, com palavras vivas
de quem luta e canta e clama,
nutrirão as entranhas do tempo
com o sangue do Direito e da Justiça. 
Homens e Mulheres,
cada ser do Universo,
construirão o Movimento inesgotável
da Libertação Definitiva.

Porto Nacional – TO, 11 de agosto de 2011
(Fotografias de Sebastião Salgado)

Contribuição latinoamericana para uma geosociedade

Por Leonardo Boff

Por todas as partes no mundo cresce a resistência ao sistema de dominação do capital globalizado pelas grandes corporações multilaterais sobre as nações, as pessoas concretas e sobre a natureza. Está surgindo, bem ou mal, um design ecologicamente orientado por práticas e projetos que já ensaiam o novo. A base é sempre a economia solidária, o respeito aos ciclos da natureza, a sinergia com a Mãe Terra, a economia a serviço da vida e não do lucro e uma política sustentada pela hospitalidade, pela tolerância, pela colaboração e pela solidariedade entre os mais diferentes povos, demovendo destarte as bases para o fundamentalismo religioso e político e do terrorismo que assistimos nos EUA e agora na Noruega.

Entre muitos projetos existentes na América Latina como a economia solidária, a agricultura orgânica familiar, as energias alternativas limpas, a Via Campesina, o Movimento Zapatista e outros queremos destacar dois pela relevância universal que representam: o primeiro é o “Bem Viver” e o segundo a “Democracia Comunitária e da Terra”, como expressão de um novo tipo de socialismo.

O “Bem Viver” está presente ao longo de todo o continente Abya Yala (nome indígena para o Continente sulamericano), do extremo norte até o extremo sul, sob muitos nomes dos quais dois são as mais conhecidos: suma qamaña (da cultura aymara) e suma kawsay(da cultura quéchua). Ambas significam: “o processo de vida em plenitude”. Esta resulta da vida pessoal e social em harmonia e equilibrio material e espiritual. Primeiramente é um saber viver e em seguida um saber conviver: com os outros, com a comunidade, com a Divindade, com a Mãe Terra, com suas energias presentes nas montanhas, nas águas, nas florestas, no sol, na lua, no fogo e em cada ser. Procura-se uma economia não da acumulação de riqueza mas da produção do suficiente e do decente para todos, respeitando os ciclos da Pacha Mama e as necessidades das gerações futuras.

Esse “Bem Viver” não tem nada a ver com o nosso “Viver Melhor” ou “Qualidade de Vida”. O nosso Viver Melhor supõe acumular meios materiais, para poder consumir mais dentro da dinâmica de um progresso ilimitado cujo motor é a competição e a relação meramente de uso da natureza, sem respeitar seu valor intrínseco e sem se reconhecer parte dela. Para que alguns possam viver melhor, milhões têm que viver mal.

O “Bem Viver” não se identifica simplesmente com o nosso “Bem Comum”, pensado somente em função dos seres humanos em sociedade, num antropo-e-sociocentrismo inconsciente. O “Bem Viver” abarca tudo o que existe, a natureza com seus diferentes seres, todos os humanos, a busca do equilíbrio entre todos também com os espíritos, com os sábios (avôs e avós falecidos), com Deus, para que todos possam conviver harmonicamente. Não se pode pensar o “Bem Viver” sem a comunidade, a mais ampliada possível, humana, natural, terrenal e cósmica. A “minga” que é o trabalho comunitário, expressa bem este espírito de cooperação.

Essa categoria do “Bem Viver” e do “Viver Bem” entrou nas constituições do Equador e da Bolívia. A grande tarefa do Estado é poder criar as condições deste “Bem Viver” para todos os seres e não só para os humanos.
Esta perspectiva, nascida na periferia do mundo, com toda sua carga utópica, se dirige a todos, pois é uma tentativa de resposta à crise atual. Ela poderá garantir o futuro da vida, da humanidade e da Terra.

A outra contribuição latinoamericana para um outro mundo possível é a “Democracia Comunitária e da Terra”. Trata-se de um tipo de vida social, existente nas culturas da Abya Yala, reprimida pela colonização mas que agora, com o movimento indígena resgatando sua identidade, está atraindo o olhar dos analistas. É uma forma de participação que vai além da democracia clássica representativa e participativa, de cunho europeu. Ela as inclui, mas aporta um elemento novo: a comunidade como um todo; esta participa na elaboração dos projetos, de sua discussão, da construção do consenso e de sua implementação. Ela pressupõe já uma vida comunitária estabelecida na população.

Ela se distingue do outro tipo de democracia por incluir toda a comunidade, a natureza e a Mãe Terra. Reconhecem-se os direitos da natureza, dos animais, das florestas, das águas, como aparece nas constitições novas do Equador e da Bolívia. Faz-se uma ampliação da personalidade jurídica aos demais seres, especialmente à Mãe Terra. Pelo fato de serem vivos, possuem um valor intrínseco e são portadores de dignidade e direitos e por isso são merecedores de respeito.

A democracia será então sócio-terrenal-planetária, a democracia da Terra. Há os que dizem: tudo isso é utopia. E de fato é. Mas uma utopia necessária. Quando tivermos superado a crise da Terra (se a superarmos) o caminho da Humanidade seria este: globalmente nos organizarmos ao redor do “Bem Viver” e de uma “Democracia da Terra”, da “Biocivilização”(Sachs). Já existem sinais antecipadores deste futuro.

Do site: www.leonardoboff.wordpress.com

06 agosto, 2011

Caminho do MST é a Reforma Agrária Popular

Por Soraya Aggege, Carta Capital
Em entrevista a revista Carta Capital, João Pedro Stedile, membro da coordenação do Movimento dos Trabalhadores (as) sem Terra (MST) e Via Campesina, analisa a conjuntura política brasileira na luta pela Reforma Agrária. Stedile afirma que a concentração de terras tem crescido e que a reforma agrária clássica realmente “saiu da agenda” nacional. Nesse cenário, o caminho do MST é o da “reforma agrária popular”, que defende um novo modelo de desenvolvimento agrícola, o agroecológico.

CartaCapital: Qual é a dimensão hoje da necessidade real de distribuição de terras no Brasil?
João Pedro Stedile: O Brasil é um dos países de maior concentração de propriedade da terra. Nos últimos anos, mesmo com o governo Lula seguiu concentrando. Os últimos dados do cadastro do Incra, de dezembro 2010, revelam que temos 66 mil fazendas classificadas como grandes propriedades improdutivas, que controlam 175 milhões de hectares.  Pela Constituição e pela Lei Agrária Complementar, todas essas propriedades deveriam ser desapropriadas e distribuídas. Temos ao redor de 4 milhões de famílias de trabalhadores agrícolas sem terra que seriam os potenciais beneficiários.

CC: A distribuição de terras ainda é o fator mais importante da reforma agrária? Por quê?
JPS: A reforma agrária surgiu como política de governos da burguesia industrial no Hemisfério Norte, que aplicando o princípio republicano de direitos iguais, democratizou a propriedade da terra. Com isso impulsionava o mercado interno para a indústria.  Portanto, falar em reforma agrária é necessariamente democratizar o acesso, a posse e a propriedade da terra. Sem isso, nunca haverá uma sociedade democrática, se os bens da natureza que não são frutos do trabalho, são concentrados em mãos de poucas pessoas. No Brasil, as grandes propriedades improdutivas são apenas 1,3%, mas controlam 40% de todas as terras. Veja que desapropriando apenas esses 1,3%  teríamos uma fantástica mudança no campo.

CC: Ainda há um processo de reforma agrária no Brasil, no sentido de distribuição de terras?
JPS: Um programa de reforma agrária verdadeiro é quando as políticas de desapropriação de terras e democratização da propriedade conseguem impedir a concentração.  Como disse, no Brasil a concentração só aumenta. O Censo de 2006 revelou que a concentração é muito maior agora do que em 1920, quando recém havíamos saído da escravidão.  O que existiu no Brasil, nas últimas décadas, foi a conjugação de duas políticas públicas: a colonização de terras na Amazônia, e isso não altera a estrutura da propriedade, e a política de assentamentos rurais para resolver conflitos sociais e políticos, isso quando há muita pressão por parte dos trabalhadores. Nos últimos anos conseguimos muitos assentamentos, com muita pressão social e um alto custo de sacrifício dos trabalhadores que às vezes pagaram com a vida.  Mas isso não representa reforma agrária, no conceito clássico. Além disso, no Brasil está havendo uma desnacionalização da propriedade da terra, acelerada ainda mais pela crise do capitalismo financeiro que fez com que os capitais especulativos corressem para investir em patrimônio da natureza no Brasil e se protegessem da crise. Estima-se que os capitais estrangeiros já controlam mais de 30 milhões de hectares, para produzir cana de açúcar, gado e soja. Só no setor sucroalcooleiro controlam 33% de toda a terra e usinas.

CC: O que mudou de fato no processo de acesso à terra, desde que o PT assumiu o governo? Houve um aumento nos índices de concentração de terra ou uma redução?
JPS: Há uma lógica do funcionamento do capital na agricultura, que leva naturalmente à acumulação e à concentração da produção e da propriedade da terra. Para combater esse processo o governo deveria ter uma política pública massiva. Por isso que, tanto no governo de FHC como no de Lula, a concentração da propriedade da terra continuou. E quanto maior as taxas de lucro na agricultura, mais altos serão os preços da terra e maior será a concentração da propriedade.

CC: O que o MST acredita que realmente será feito no Brasil com relação à reforma agrária? Quais são as perspectivas do MST?
JPS: O programa de reforma agrária clássica, que a maioria dos países industrializados fizeram no Hemisfério Norte, democratizando a propriedade e criando mercado interno, depende de um projeto político de desenvolvimento nacional baseado na industrialização.  Isso saiu da agenda no Brasil.  Não porque não seja um caminho, mas, sim, porque as burguesias industriais brasileiras nunca tiveram um projeto de desenvolvimento nacional. Então, esse tipo de reforma agrária está inviabilizado por elas, lamentavelmente.  Cabe aos movimentos sociais do campo se organizarem e lutarem agora, por um novo tipo de reforma agrária. Chamamos de reforma agrária popular.  Além da desapropriação de grandes latifúndios improdutivos é preciso reorganizar a produção agrícola, com um novo modelo.  Nós defendemos políticas que  priorizem a produção de alimentos. Alimentos sadios, sem agrotóxicos. Uma combinação de distribuição de terras com agroindústrias nos assentamentos na forma cooperativa, voltada para o mercado interno. Implantando uma nova matriz tecnológica baseada nas técnicas agrícolas da agroecologia.  E ainda a ampla democratização da educação, com a instalação de escolas em todos os níveis, em todo o meio rural.

Essa é nossa plataforma e a nossa perspectiva.  Pode demorar algum tempo, mas esse será o futuro da agricultura em todo o mundo.  O modelo do capital, do agronegócio é inviável, econômica, ambientalmente e do ponto de vista da saúde pública também, pois só produz lucro, usando muito veneno e degradando o meio ambiente.

CC: Não tem ocorrido mais pressão popular pela reforma agrária. O que mudou realmente no MST, nesta última década? O MST não consegue mais promover grandes mobilizações, limitando-se aos protestos pontuais, como o “abril vermelho” e os locais? Não falamos do pico de acampamentos após a posse de Lula, mas de maneira global.
JPS: O MST manteve a mesma média de 250 ocupações de fazendas por ano. Nós continuamos lutando.  E aumentamos a nossa base.  Mas agora mudou a correlação de forças políticas. Temos um inimigo mais poderoso. Agora, além do latifundiário temos de enfrentar o modelo do agronegócio que representa uma aliança entre os grandes proprietários de terra, o capital estrangeiro e o capital financeiro. E some-se a eles o apoio ideológico irrestrito da grande mídia, que ataca permanentemente quando qualquer trabalhador se mobiliza. Foram contra até a mobilização dos bombeiros, imagine dos sem-terra.    Então, é na opinião desta mídia empresarial e hipócrita, que o MST  teria diminuído sua força, mas essa não é a realidade. Por outro lado, se a reforma agrária depende agora de mudança de modelo de desenvolvimento, isso carece por sua vez de um amplo processo de mobilização popular no País, que ainda não está na agendo pelo refluxo do movimento de massas.  Mas algum dia ele voltará, e voltará com força. Pois os problemas estruturais da sociedade brasileira estão aí, intocáveis e latentes.

CC: Quantos acampamentos e quantas famílias acampadas o MST mantém hoje? Esse número pode crescer, por exemplo, com a multiplicação dos grandes canteiros de obras, principalmente das hidrelétricas, por causa da especulação imobiliária? Ou deve diminuir à medida que a situação econômica do País melhora?
JPS: Nós temos ao redor de 60 mil famílias acampadas.  E há outros 4 milhões que vivem no campo, que são pobres, e que poderiam ser beneficiados pela reforma agrária. E que de fato agora, estão adormecidos pelo Bolsa Família, que favorece 4 milhões de famílias acampadas, e pela expansão do emprego na construção civil. Mas isso não é uma solução definitiva. É um programa necessário, mas apenas de emergência. A solução envolve programas estruturantes de emprego e renda.

CC: Qual relação o senhor vê entre o Programa Brasil sem Miséria e a reforma agrária?
JPS: O Programa Brasil sem Miséria ainda é uma colcha de retalhos de diversos programas de compensação social.  Nenhum deles afeta a estrutura e a causa da pobreza.  Por isso temos defendido com o governo diversas propostas.  Há 14 milhões de miseráveis que podem ser atendidos por medidas emergenciais.  E há outros 40 milhões que formam a turma do Bolsa Família. Então o governo deveria fazer um amplo programa, ainda que localizado nas regiões mais carentes, de acesso à terra.  Um programa de instalação de agroindústrias cooperativas, que criam emprego e renda.  Potencializar a Conab, para que se transforme numa grande empresa compradora de todos os alimentos da agricultura familiar. Criar um mutirão nacional de alfabetização dos 14 milhões de adultos.  Instalar escolas em todas as comunidades rurais, de ensino fundamental e escolas regionais, no meio rural de ensino médio, via IFETS ou outras escolas técnicas agrícolas.  E ainda um amplo programa de reflorestamento, ampliando o Bolsa Verde para todos os 4 milhões de camponeses pobres.

CC: O MST pode vir a apoiar a criação de um partido político, por meio do Consulta Popular? A partidarização, enfim, pode ser um caminho para o MST ou parte dele?
JPS: Os partidos políticos no Brasil estão desgastados e possuem pouca coerência com programas de nação ou ideologias de classe.  Em geral, são usados por pessoas e grupos, apenas como trampolim para cargos e recursos públicos. Mas a organização política na sociedade é fundamental para construir as mudanças. O MST é um movimento social, autônomo, com base social no meio rural e nas cidades. Nós devemos estimular como militantes sociais e cidadãos, a revitalização da prática política no País, mas o caminho do MST deve ser apenas a luta pela reforma agrária popular.

CC: Qual é o futuro para o modelo atual?
JPS: Acredito que embora a expressão reforma agrária esteja desgastada e a imprensa burguesa nos faça uma campanha permanente contra a luta dos trabalhadores, pois é aí, onde ela tem hegemonia absoluta,  no futuro teremos grandes mudanças no modelo agrícola e na sociedade brasileira.  Pois o modelo do capital de apenas organizar a produção agrícola para o lucro,  agredindo o meio ambiente e usando venenos, é insustentável no longo prazo. E a sociedade, em geral, e a natureza estarão do nosso lado para realizar as mudanças estruturais necessárias.

Do site: www.cartacapital.com.br